As grutas, os grandes Mamíferos e o Homem Paleolítico: uma aproximação integrada ao território português


Autoria  João Luis Cardoso
Data de publicação  23/12/1997
Idioma  Português
Editor  REQ
Coleção  Artigos
ISSN  2182-8660

Este estudo apresenta uma síntese da investigação paleontológica das grutas, em território português, desde os primórdios dos estudos paleontológicos e arqueológicos, no início da 23 metade do século XIX, por iniciativa da então Comissão Geológica de Portugal. Com base nos numerosos materiais de grandes mamíferos de época plistocénica especialmente de grutas calcárias, ali conservadas graças às particularmente favoráveis condições de preservação verificadas, foi possível estabelecer uma síntese actualizada concernente à distribuição cronológica, no decurso do Plistocénico Superior das espécies até ao presente identificadas. As respectivas associações faunísticas assim isoladas fornecem indicações acerca das características paleoclimáticas, especialmente no decurso do último período glaciário, para o qual a informação é mais abundante. Deste modo, pode concluir-se que, até inícios do Würm recente, ca. 30 000 BP, o clima na Estremadura – onde se concentram a quase totalidade das grutas com restos de grandes mamíferos – era temperado. A degradação climática, que se fez globalmente sentir no decurso do período subsequente, até cerca de 18 000 BP, terá sido responsável pelo desaparecimento de espécies de grandes predadores como o leão das cavernas e o leopardo, mantendo-se outros, como a hiena das cavernas, ou de grandes herbívoros como o elefante e o rinoceronte. Curtos períodos de frio mais intensos explicam a presença da cabra montês e, excepcionalmente, da camurça. Contudo, mesmo nos momentos de maior rigor climático não se encontram restos de espécies de características claramente frias, como o urso das cavernas, a rena, ou o bisonte. Apesar de todos eles ocorrerem em grutas da cordilheira cantábrica, e muito menos de espécies como o boi almiscarado ou o antílope saiga, presentes noutras regiões peninsulares, ainda que vestigialmente.

A baixa latitude e a proximidade oceânica, funcionando como factores amenizadores do clima, por um lado, e o isolamento geográfico, por outro, explicam o papel de área de refúgio que o nosso território e especialmente a sua fachada média atlântica tiveram no decurso da última glaciação. Aqui sobreviveram espécies como a hiena raiada ou o pequeno lobo de Lunel-Viel, em grande abundância (gruta da Furninha), praticamente dizimadas além-Pirinéus no decurso da vaga de frio da penúltima glaciação. Também no vale do Tejo persistia o elefante antigo. Talvez a última população conhecida da espécie (Foz do Enxarrique, ca. 33000 BP). Neste contexto se compreende a sobrevivência de grupos de neandertais em época próxima ou mesmo ulterior a 30 000 BP. Datações obtidas na gruta da Figueira Brava e na gruta Nova da Columbeira, tornam-se hoje verosímeis, no quadro de um Mustierense Final crescentemente documentado na parte meridional da Península Ibérica, coincidente com a derradeira presença daquela subespécie humana.